sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Um ponto Brilhante


Um dia eu estava a caminhar por uma caverna...
Ela era escura, fria e tinha, por sobre a areia que formava o sólido chão, uma camada fina de água que remetia meus pensamentos ao rio que outrora teria passado por ali...
Eu estava completamente só...
Uma bermuda na altura das coxas, uma blusinha de alça e os pés descalços...
O corpo todo preparado pra sentir todas as sensações proporcionadas pelo ambiente...
Eu estava amando tudo aquilo...
Ao longe ouvia o barulho de uma goteira lenta e solitária...
Queria imaginar de onde vinham as gotas...
Foi aí que minha aventura de exploração da caverna teve seu início...
Eu pisava forte na água e percebia que ela se esparramava em gotas pelo ar... e depois voltavam ao chão...
E quanto mais forte eu pisava, mas alto iam...
Então eu comecei a correr e sorrir...
Era muito divertido, apesar do frio...
As risadas tinham um eco engraçado, que me faziam sorrir ainda mais...
E mais ecos se formavam...
Virava um ciclo alucinante de risos reais e ecos de risos, misturados a gotas geladas de água e areia do chão...
Aquilo encheu minha alma numa sensação indescritível que me fez perder a noção do tempo, da idade...
E voltei a ser uma criança feliz...
Mas a "criança" desnorteada, feliz do nada, não viu uma pedra...
Uma pedra pequena, porém afiada...
E a água, anteriormente cristalina, começou a ficar avermelhada...
Então uma sensação diferente surgiu....
Dor...
E o que fazer com isso?
Dor é ruim...
Eu não gostei de sentir dor...
Mas não sabia o que fazer com meu pé que doía...
E sangrava...
Então eu pensei:
"É só um pé... e ele está doendo... acho que se tirar esse pé, o dor vai passar... será? Ou será que vai doer ainda mais?"...
Eu precisava tomar uma decisão...
Decisões...
Necessárias, porém nem sempre fáceis...
Era o meu pé que estava em jogo...
Então eu comecei a raciocinar...
Em segundos milhões de coisas passaram em minha mente:
A utilidade do meu pé - que servia pra me dar apoio, pra me fazer andar direito e até pra ser uma pessoa normal...
Será que eu conseguiria viver sem ele?
Por outro lado, o dor estava ali...
E eu tinha que fazer algo pra passar...
Percebi que se eu tentasse cortar meu pé, começaria a doer ainda mais...
Então olhei ao redor...
Não ouvi mais os risos, nem seus ecos que me faziam rir ainda mais...
Onde estão as gotas de água que saltavam cintilantes?
Será que tudo agora era dor?
Eu não podia deixar que fosse assim...
Percebi que quanto mais adiava minha decisão, mais aumentava o dor, e as coisas que eu antes fazia que me proporcionavam bem-estar, havia deixado de fazer...
Minha mente girou novamente...
Então, com a pedra que cortou meu pé, rasguei um pedaço da blusa e vi que a melhor saída era enfaixar o pé sangrante...
Unindo as bordas da ferida e fazendo um enfaixamento compressivo, vi que parava de sair sangue e o dor diminuía...
Esperei algumas horas pra depois conseguir voltar a andar... 
Olhei pra parede da caverna...
E senti vontade de tocá-la, cheirá-la...
Queria sentir sua textura, temperatura, cheiro até gosto...
Queria sentir tudo de bom que aquele lugar pudesse me proporcionar através de meu corpo, de meus sentidos...
Tudo era descoberta nova pra mim...
A parede estava fria, úmida, tinha musgos que conferiam uma textura meio aveludada...
Cheiro de musgo, terra... muito bom...
Mas o gosto era ruim...
Fez-me sentir repulsa...
Pensei em como podia algo que tem cheiro e textura agradáveis, ter um gosto ruim...
Gastei alguns minutos pensando nesta questão...
Por fim concluí que nem tudo o que parece bom vai trazer apenas coisas boas...
E assim como me vi obrigada a cuspir musgo da língua, entendi que na vida é necessário sempre ter uma rota de escape, um plano B para o caso de o plano A dar errado...
É como uma saída de emergência de um prédio... Ela existe apesar de ninguém ficar o tempo todo pensando nela...
E será usada, se necessário...
As minhas unhas estavam verdes de musgo...
Limpei-as nos braços...
Vi que eles ficaram coloridos de verde...
Achei aquilo hilário...
E descobri que posso fazer as coisas ruins ficarem boas...
Mas EU tenho que DECIDIR fazer isso...
Então minha jornada de descobertas continuou...
Eu já estava com o pé enfaixado, a blusa rasgada, um gosto ruim na boca, unhas encardidas e braços coloridos...
Eu estava feliz com minhas descobertas...
Mas algo começou a incomodar...
Quanto mais eu adentrava na caverna, mais fria parecia ficar...
E o que eu ia fazer?
Além de fria, escura...
Estava difícil enxergar...
Senti algo diferente, que chamei de MEDO...
Coisa estranha era aquela...
Começaram a sair de meus olhos gotas de água salgada...
E meu coração pesava...
Parei...
Simplesmente PAREI...
Então descobri que o medo trava...
Eu tinha medo, tanto de voltar quanto de prosseguir...
Raciocinei: estava sozinha, era muito escuro... era perigoso...
Mas... Que eu faria se não tivesse MEDO?
Prosseguiria, com certeza...
Prosseguiria porque tudo o que tinha ficado pra trás eu já conhecia...
Tinha descoberto tudo...
Eu queria arriscar algo melhor...
E achar outra saída daquela caverna...
E pensei no quão emocionante poderia ser o restante da minha viagem...
No escuro...
Dei o primeiro passo...
Os joelhos tremiam e meus olhos permaneciam fechados...
Andei por vários minutos assim...
Mas eu queria ver...
Afinal, tudo era novo agora...
Nem se quisesse poderia voltar...
Pois tomei a DECISÃO de seguir...
E algumas vezes decisões não tem volta...
Confesso que cair nesta realidade pesou...
Fiquei em dúvida se tinha tomado a decisão certa...
Minha cabeça girou à velocidade da luz...
O peso da dúvida era terrível demais...
Eu não estava suportando...
Pensei em Deus, em minha existência e porque Ele havia me permitido chegar até ali se eu estava sentindo aquele peso angustioso...
Novamente as lágrimas rolaram...
Então, em meio à minha turbulência interior (pois o exterior estava calmo e quieto como sempre fora) ouvi uma voz...
Mas era uma voz muito baixa...
Ou era a turbulência que estava muito alta?
Percebi que precisava silenciar...
Silenciar interiormente... Pra poder ouvir a voz...
Os soluços diminuíram...
Aquietei.
"Abre os olhos!"
Então era isso!
Era só isso que a voz estava me dizendo?
"Não vou abrir os olhos... abri-los pra que, se não vou enxergar?" - teimei...
Eu tinha mais uma decisão a fazer... Podia abrir os olhos ou permanecer com eles fechados...
Qual seria melhor?
Parecia algo tão simples, que me deu aquela vontade tipicamente humana de complicar...
Permanecer com os olhos fechados me deixaria eternamente na escuridão...
Ao passo que se abrisse quem sabe enxergaria algo que me desse algum tipo de prazer e paz?
ABRI!
O que era aquilo?
Um ponto brilhante!
Corri numa corrida desvairada...
Sem pensar em nada...
Apenas em alcançar meu objetivo...
Corri sentindo a água fria do chão pular em gotas cristalinas que refletiam a luz do ponto brilhante e formavam pequenos pontos luminosos...
Corri sentindo a areia fina entre meus dedos...
Arrastando a mão pela parede e sentindo a umidade, o frio e a textura...
Mas não quis parar pra sentir o gosto novamente, pois já sabia que era ruim...
Corri loucamente, mas sempre olhando pro chão, pra não encontrar uma pedra afiada indesejada...
Aquela corrida se tornou alucinante, fonte de muito prazer, pois sentir todas aquelas sensações ao mesmo tempo era indescritivelmente maravilhoso... 
Com a diferença de que agora eu tinha a maturidade de não lamber musgo da parede e não encravar pedras no pé...
Em fim o ponto brilhante aumentava e tornou-se uma passagem para o mundo exterior...
Que será que teria lá fora?
Dessa vez não hesitei...
Pois parecia bom...
E aprendi que postergar decisões traz sofrimentos...
Que mudanças são necessárias e normalmente trazem felicidade...
Que o medo trava a gente de fazer coisas maravilhosas...
Que posso transformar coisas ruins em boas...
E me livrar das ruins, cuspindo-as...
Que posso me machucar, mas que sempre haverá uma solução...
E que o plano B, a rota de escape, é necessário, mas que não posso ficar pensado nele o tempo todo...
Ele apenas precisa existir como forma de auto-proteção...

Então simplesmente passei pelo ponto brilhante, que já não era mais ponto, mas sim uma passagem...

O MUNDO EXTERIOR!

Era lindo... Mas o mais emocionante é que tinha gente...
Conversei com eles...
Contei a experiência lá dentro da caverna...
Disse das dificuldades e das coisas boas...
Motivei-os a passar pela caverna...
Alguns foram, mas decidiram passar pelas mesmas dificuldades que passei...
Outros foram, mas não se machucaram, pois decidiram aprender com meus erros...
E outros decidiram não arriscar...
Nada de mal lhes aconteceu, porém continuaram na mesma vida de sempre, fazendo sempre as mesmas coisas e tendo sempre os mesmos resultados...
Estes decidiram não arriscar, pois tinham medo de mudanças...
Alguns destes reorganizaram sua mente e abafaram a curiosidade de saber como seria bom passar pela caverna e todas as sensações maravilhosas que sentiriam em seu corpo... Pois tinham medo de mudar...
Outros dos que ficaram atormentaram-se com a curiosidade... E o tormento não passava... Mas decidiram ficar... Pois tinham medo de mudar... Poderiam desestabilizar sua vida se arriscassem... Largariam tudo pra entrar numa caverna?... E se fosse bom? Ficaram nesse dilema...
E ainda outros que também estavam nesse dilema resolveram ir pra caverna... Arriscaram e foram...

Esperei até que voltassem...

Todos voltaram sorrindo...

E aos que ficaram, pelo medo da mudança, restou ver a felicidade estampada no rosto dos que foram!

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